Como que por uma espécie de instinto avançado, sempre me deu a sensação desde muito cedo ( 8.30, 9.00 h ), que no futuro para se poder obter um emprego, ou num caso extremo e excepcional, ter mesmo que
trabalhar, que nada seria como antigamente. Num passado recente, a geração dos meus progenitores por exemplo, aprendia-se uma profissão ou um ofício e pronto era para toda a vida, até ter idade para a reforma. Em alternativa podia trabalhar-se até bater as botas.
Neste aspecto o nosso sistema livre, democrático, com o capitalismo selvagem e a falta de justiça veio alterar bastante as coisas. Agora o emprego é mais precário que nunca e apesar de ser obrigatório descontar para o sistema de segurança social, sabe-se que uns irão receber pelo que nunca fizeram e outros nada receberão apesar de fazerem descontos sobre o miserável salário durante uma vida inteira. É o progresso...
Mas vamos recuar aos meus tempos de escola primária, ainda sob o jugo do regime fascista.
Aí aprendi muitas coisas que viriam a constituir os alicerces onde viria a apoiar os pilares de todo um conhecimento, sem o qual estaria nu para enfrentar os desafios que as contingências da vida me viriam a revelar. O abc, as aritméticas, quantos rios tem Portugal, como se chamam, onde nascem e onde desaguam, quantas regiões e províncias, quem é que mandava na pátria e os seus valores, o hino nacional e as cores da
bandeira, assim como toda a confusão da dinastia monárquica, quem fora o primeiro rei e por que é que a sua mãe não o gramava. As saudosas aulas sempre com uma oração no início, de pé tendo à nossa frente dependurado na parede do quadro o mapa de Portugal, uma cruz com um ser humano mal nutrido pregado pelas extremidades dos membros (superiores e inferiores, ainda me lembra) apesar de tempos depois ter descoberto que o espécime nada tinha haver com as aulas de ciências naturais. Em dois retratos a preto e branco, podiam ver-se dois sujeitos de tês áspera e sorriso malandro, que no início pensei serem os
donos da escola. Constatei mais tarde que além de serem os donos da escola, eram também os donos e senhores de todo o país, regiões autónomas e que ainda tinham umas tais de províncias ultramarinas.
A palavra ultramarina, sempre me faz lembrar a palavra margarina, não sei porquê. Talvez do pão com manteiga que trazíamos de casa e comíamos nos recreios!
Cá para mim o da cruz devia ter dado muitíssimos erros nalgum ditado e depois de saber o castigo que o esperava, tentado fugir com um salto pela janela, como às vezes faziam alguns alunos menos dotados para os estudos, mas os donos deviam estar por perto e não lhe perdoaram, infligindo-lhe o terrível castigo, levando-o para a sala de ciências fazendo-lhe o mesmo que nós fazíamos às rãs e às salamandras! Mas um
corte na zona do coração revelou-me que o dissecador era pouco experiente. Depois devia tê-lo colocado dependurado por cima do quadro como exemplo para o resto da turma!
Coitado, tão pequeno e magrinho e nem os restos das sebes espinhosas, que rodeavam o pátio de recreio, que lhe devem ter ficado presas ao cabelo na sua fuga desesperada, lhe tiraram da cabeça!
Mais tarde nas aulas de catequese vim a saber que as minhas teses e conjecturas estavam redondamente erradas - havia mais outro e outro, nos livros, nas igrejas, algumas pessoas traziam-no pendurado ao
pescoço – a infeliz criatura chamava-se Jesus Cristo e diziam ser o filho de Deus. Fosse o pai dele como alguns que às vezes iam lá à escola falar com os professores acerca das reguadas dadas aos seus filhos e isso nunca lhe teria acontecido.
De louvar o tal pedido de desculpas no principio de cada aula que lhe era dirigido em forma de oração. Como o reduziram àquele minúsculo e magro tamanho foi coisa que nunca descobri! Sei que há umas tribos em África que, por um processo qualquer, reduzem ao tamanho de uma pequena maçã a cabeça dos seus inimigos, servindo depois de ornamento e exibição na ponta de um pauzinho! Assim conclui com sucesso a escola primária, tendo a sorte de nunca me ter cruzado com nenhum dos sádicos das fotografias. Aqueles lábios finos e sorrisos matreiros nunca me enganaram!
Pouco tempo depois, andava na quarta classe, deu-se uma revolução em Lisboa, para mim um acontecimento inesquecível. Ia para a escola nessa manhã de Abril e qual é o meu espanto quando me dizem que não havia aulas.
- Porquê – perguntei ao meu colega Zé Manel.
- O meu pai disse-me que houve uma revolução em Lisboa e que por
isso, hoje não há aulas – respondeu-me ele actualizadíssimo.
- Porreiro! – exclamei. E dando meia volta, fui para casa. Pois é…desse dia, apenas isso recordo, nada mais.
Soube mais tarde que dos tais das fotografias da sala de aula, apenas um era ainda vivo e teria sido deposto graças a essa revolução. Nada mais lhe restou senão a fuga para o exílio.
Chegara a altura de subir de patamar e entrar numa nova etapa dos meus estudos mínimos obrigatórios! O ciclo preparatório. O próprio nome diz – ciclo de dois anos onde te vais preparar. Mas preparar para quê?...para continuar a estudar, obviamente.
Desde muito cedo (8.30, 9.00h) as minhas aptidões vocacionais foram reveladas desde as primeiras aulas, agora eu estava a entrar na tal fase estúpida da adolescência, dedicando toda a atenção na sala de aula aos
corpos femininos, que depois se reflectia nos imensos desenhos com que enchia as carteiras(as velhas carteiras) onde me sentava. O desenho do nu feminino era um dos meus temas preferidos, fosse nas aulas de
português, matemática ou religião e moral. Carteiras, cadernos, sebentas, tudo servia para os meus esboços. Corpos, rostos de perfil e a três quartos, pormenores, das pernas ou mamas da professora, sobretudo
quando eram avantajadas, em suma – só obras de arte! Sim era esse o meu caminho – ser um grande artista – quiçá um Dali, um Miró, um Picasso! Para já, a técnica era simples : a rapariga à minha frente, vestida claro, era imaginada nua e desenhada. A professora à minha frente, com as pernas cruzadas ou não, de pé no quadro, parada ou em movimento, era desenhada num ápice. Por vezes atrevia-me a expô-los à critica do parceiro de carteira ou dos colegas mais próximos:
-Hum! A professora tem as mamas muito maiores! Corrigia o Jorginho
Ela ou o desenho? Duvidava eu
– Ela! Não vês que tetas deve ter!
O.K. eis a semente da caricatura. A partir dai comecei a exagerar certos atributos físicos.
- Qual é a piada meninos, porque estão p´rái a rir? – Nada sessora, nada…
Assim comecei a estudar os cânones do corpo feminino afincadamente.
A educação sexual que tanta polémica tem provocado entre falsos moralistas, pais escrupulosos, técnicos psis, “ladradores,” (pseudo intelectuais que opinam, geralmente sobre assuntos que estão na baila e
não lhes dizem respeito, mas falam, escrevem, aparecem nos mass-media e só pretendem fazer confusão, estar no contra, …só dizem merda sobre merda.) …bom seguindo…na altura, lá na escola já se estudava, durante as aulas de qualquer disciplina enquanto se falava ou lia sobre a matéria específica, educação sexual. Havia ilustrações, quase sempre acompanhadas com a respectiva legenda, sobretudo nas mesas mais ao
fundo da sala e nas paredes e portas das casas de banho da sala polivalente ou dos pavilhões. Os desenhos, grande parte dos quais eu também era autor, eram elucidativos, não deixavam dúvidas: Pénis, vaginas escancaradas, seios, lábios sensuais, posições de coito, etc. Depois acompanhados de comentários que por vezes levavam, a quem os lia, a uma profunda reflexão sobre o assunto: - Caralh.., piç…, colh..,
con.., parrac…, a Gina é uma pu.., o Betinho é um pan…, já fod… a Etelvina, etc. Tudo calão e gíria que era essencial saber quando se falava de sexo nos intervalos, ao ver passar as gajas boas, as menos boas e
mesmo os trambolhos.
Assim ao ingressar no ensino secundário, escolhi como opção vocacional Arte e Design. Aí as mesas já eram de um laminado liso, polido, que permitia desenhar, apagar e escrever copianços que a mulher da limpeza limpava no fim do dia.
Todas as disciplinas eram obrigatórias, menos religião e moral que era facultativa. Eu frequentava. Tinha curiosidade em tirar a limpo a tal questão pertinente sobre Jesus Cristo: - seria, tal como se dizia, o maior
desde à dois mil anos a esta parte? Claro que sim! Dai ter tantos seguidores em todo o mundo. (mais à frente irei falar disso).
Além das disciplinas de desenho, gostava também das aulas de biologia, física, química, que eram dadas no laboratório. Estudavam – se coisas interessantes como a clorofila, a reprodução animal e vegetal, as bolinhas de mercúrio espalhadas pelo chão e porque era tão difícil apanha-las, a ebulição, a combustão, a evaporação. Sobretudo a evaporação de material que amiúde se evaporava do laboratório!
Balanças, tubos de ensaio, algumas substâncias químicas, plantas exóticas e animais mortinhos da silva. Insectos e repteis que por vezes eram encontrados com um grito alarmante na carteira da boazona da
turma. As plantas que acabamos por enrolar em mortalhas atrás do pavilhão é que nunca mais foram encontradas…a sessora bem que nos tinha dito que eram de grande valor económico e medicinal! Serviam
para extrair fibras para fabrico de tecidos, e alguns fins medicinais como a falta de apetite. Tinha razão. Depois de as fumarmos fomos para o bar alegremente sorridentes e bem dispostos comer e beber de todas as porcarias que lá vendiam a preços reduzidos.
Assim se passou o secundário para alem do estudo de arte, português, historia, filosofia, matemática, etc. Também cheguei à conclusão, nas aulas de religião e moral que realmente os judeus e os italianos de Roma,
Romanos, tinham tramado bem, o pobre J. C.
Valeu-me a minha natural curiosidade em relação ao Cosmos, à Pintura e aos grandes pintores, á Banda Desenhada assim como em relação à Música, sobretudo o rock sinfónico, psicadélico, heavy metal e mais
tarde ( 23, 24,00h) ao Jazz, de grande contributo na minha posterior formação como autodidacta, pois a entrada para o ensino universitário ficaria comprometida com o meu ingresso em bandas de garagem e
grupos de baile.
Sobre todos esses temas gostaria de vos falar para vos dar uma ideia do que é ser um autodidacta superior. (Conceito criado por mim, com toda a justiça que merece dize-lo.) Não, não é presunção e água benta, cada um toma a que quer! É aquilo que realmente eu acredito ser e fazer parte do
meu Eu…
Que bonito, oh! oh! eh! Que bonito (“El Chato”).
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