quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Minha Terra, a Minha Rua, os Meus Amores e Eu - Rui Tó Magalhães

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Trás -os –Montes

Das pedras, dos socalcos,
Brota o vinho
Que aquece as almas
No Inverno frio.
Das robustas oliveiras,
Azeite virgem dourado,
Já alumiou candeias,
Qual um Sol, que aquece o prado.
Gentes de rostos vincados,
Profundos traços de Tempo,
Mulheres vestidas de negro
Por negro ser o alento.
.Casas de cantaria,
Talhadas a punho e cinzel
Alvenarias de xisto
Cortiços de cera e mel.
Eiras de trigo loiro,
Quantas segadas de verão,
À custa de braços fortes
Do suor se fez o pão.
O santinho padroeiro
Todas as almas protege,
Desde a velhinha à viúva,

Ao salteador mais herege.
Superstições e lendas,
São contadas à lareira,
Para espicaçar o medo
Em noites de lua cheia.
Plenos mistérios do Além,
Coisas do outro mundo
Coisas do arco-da-velha,
Gatos com cio no escuro.
Sinos dobram a rebate
Ecoando entre vales.
As montanhas escarpadas,
Lembram velhinhas com xailes.
Chega por fim o Verão,
Dias quentes, soalheiros,
Aquecem os anciãos,
Secam a lenha nos sequeiros.
Desperta-lhes o sangue morno
Que outrora fervilhava,
Nas devotas romarias.
Nos bailaricos disputavam,

As moçoilas de tez clara
E alvas faces rosadas
Na aparente timidez,
Seduzidas, conquistadas

P’ra namoros duradoiros
De tantas idas às fontes,
Por tantas palhas douradas
Serem leito dos amantes.
Assim chegam os emigrantes,
Agosto em festas de Verão,
Matam Saudades de um ano,
Em cortejo e procissão.
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 Venho do Nordeste

Venho do nordeste
Vida agreste, mas feliz.
Nas horas, o Tempo pára
E o Tempo nada diz.
Venho do Nordeste,
Da paciência o vagar,
A vida é sempre um teste
Passa sem querer passar.
Venho do Nordeste,
Do Nordeste Transmontano
Parece um mês, uma semana
E um mês parece um ano.
Venho das serras, montanhas,
Onde tudo, lento passa,
De Portugal as entranhas,
Mas sempre com ar de graça!
Venho do Nordeste,
Norte de Portugal,
Não há nada que não preste,
Só o tempo é banal!
Venho do Nordeste,
Olivais, azeite de oiro,
Cearas outrora ondulantes,
Albardas, arreios de coiro.
Venho de Trás-os-Montes,
Cantinho de Portugal,
Da água fresca das fontes,
Da ribeira o canavial.
Do sol quente de Verão,
Dos dias de nevoeiro
Dantes Invernos sem pão,
Mas de um Verão de soalheiro.
Venho do Nordeste,

Da pureza, do pecado,
De gentes de alma agreste,
Nunca igual a nenhum lado!
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 O Rio da Minha Ponte

O Tempo é como um rio,
Que devagar vai correndo para o Mar,
Paciente, sem ter pressa de o ter,
Na certeza que seus, todos os rios são…
Talvez assim para Deus todas as Almas irão…
Mas no Rio do Tempo,
Águas não voltam atrás,
Só nas nuvens regressam
Águas que o vento traz.
O rio parece o mesmo,
Águas da mesma Fonte
Mas são sempre águas diferentes
Parecidas às de ontem…
Talvez Almas Perdidas
Em chuvas assim caídas,
Regressem de novo vivas
Ao Rio da minha Ponte!
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Da janela do meu quarto

Da janela do meu quarto,
Vejo a cidade e o mato,
Uma nespereira e pinheiros,
Mesmo ao lado candeeiros,
Quais estrelas mais próximas,
Iluminando a rua,
Da janela do meu quarto
Avisto ao longe a tua.
Vejo ao longe um regato,
Vejo os outros e relembro
Do sonho, o que é real,
Da vida, o que é banal
Da realidade feita em sonhos
Vejo o passar dos anos.
Da janela do meu quarto
Vejo dias diferentes
Vejo enfim outras coisas
Que são as mesmas que antes.
Como um país sem fronteira
Vejo de outra maneira
Num longínquo horizonte
Vejo um rio e uma ponte.
Nada me pode parar,
Nem sequer intimidar,
Sem caminho vou partir,
Sem pensar vou decidir.
Apenas irei chegar,
Onde a vida me levar,
Talves até à tua rua
E à janela que é tua
Sem daqui sair, eu parto
Comigo levo o Luar
Sem daqui sair, viajo.
Sem partir, vou regressar.
Se vou p’ra longe, perdido,
Sinto saudade, por ficar,
De quem chegou sem ter partido
De quem partiu, sem cá chegar!....
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Manhã de Outono - a folha amarela

Não a apanhei…
Era tão amarela e grande!
Grande como as minhas duas mãos
Mas não a apanhei …
Por ser tão grande e amarela
E ter-me feito pensar em apanha-la.
Não, não a apanhei…
Iria deixa-la.
…deixei-a a brincar no chão,
Com as outras folhas amarelas,
Umas com as outras
E o vento com elas.
Andando passei por ela
E pensei quem seria
Aquela folha amarela!
Ah! Parece uma Amoreira
A mãe dela,
Nua, vestida de Outono
Ali estava em porte, despedindo-se dela.
Ainda com réstias,
Das tendências da passada Primavera,
Algumas verdes das tantas que tivera.
Agora deixava à sorte delas
As amarelas…
Aquela grande era tão bela
Que não a apanhei…
E era tão amarela!
Ninguém, com certeza, a iria apanhar
Até o vento
A levar pelo tempo
Até castanha ficar…
Nem a varredora, por porventura,
Irá reparar nela,
Na grande folha amarela.
Passei, e lá ficou a folha amarela
A saltar com as irmãs e o vento com ela.
Mas já não ia sozinho
Ela ia comigo e eu pensando nela
Fez-me companhia até casa
A folha amarela
Mal sabia ela
Que já perto do fim
Tinha sido poema
Por grande e tão bela
Ser uma folha amarela.
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Para além de Ti

A auréola revelou-se no vácuo.
O silêncio da noite atravessou o espaço
De átomos irrequietos de Ser.
Sons inaudíveis sussuraram no rodeio das sombras,
Vozes ténues que rebentam na luz…
Amo – te para além de Ti!.
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Espera

Cumpriu-se ...
Uma vez mais, o Sol ,turvo, fica preso
Deixando a atmosfera manchada de Outono.
Não poderá começar já a vontade de ir...
Nem a água daquele charco
Nem o odôr metálico da humidade
Os irá encerrar em antros escuros.
A Saudade, deixará que me una à noite cálida.
Por fim poderei abandonar-me à chuva
E à minha irremediável melâncolia
A que se somam as ausentes tardes amarelas
E rindo-me do Astro Rei, do seu calor,
Escapar-me-ei debaixo do céu de água
A tirintar sob horas de espera.
Então, beijo-te o rosto frio...
Porque é no Outono que eu te quero mais !...
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Que lindas que sois

De nada te valho,
P’ra nada presto,
Nada te dou,
Nada te empresto.
Tu, tudo me dás
Sem nada quereres em troca.
Tu sempre lá estás,
Nunca bates com à porta.
Eu de nada te valho,
Nada tenho p’ra te dar.Só o nada tenho
P’ra te sossegar!
Penso em nada…
Só o nada me consola,
Só o nada me abstrai…
E tu lá estás, sossegada,
Com a pequenina ainda acordada,
Bem cheiinha, bonita rosada…
Esperas por mim, pela minha chegada…
Que lindas que sois!...
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Para mim chegaria

Dei–te tudo que tinha p’ra te dar,
Um voo de andorinha,
A Primavera a chegar.
Mostrei–te tudo o que havia p’ra ver,
Horizontes sem fim
Até a vista perder…
…o olhar, o sentir,
O sonhar, conseguir,
O cantar, o viver,
A minha alma, o meu Ser.
Dei–te o Céu, o Inferno,
O Verão, o Inverno,
O infinito Universo,
A partida, o regresso.
Dei–te amor, desespero,
Dei–te dor, exagero.
Dei–te o Sol, dei – te a Lua,
Dei–te a casa, a rua,
As estrelas, a Noite,
Do vento norte o açoite,
Do arco–íris as cores,
Do jardim dei–te as flores,
A alegria o alento
A magia do Tempo.
E para além do Amor,
Da fogueira, do ardor,
Dei–te a luz fugidia
Do mais lindo dia,
Da sombra o luar
Que em ti fiz brilhar.
Dei–te inteiro o Mundo
Num parco segundo,
Dei–te a paz, o abrigo
O abraço amigo…
Não me lembro de mais
Senão mais te daria…
Se a mim Tu te desses,
Para mim chegaria!
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Um único Eu

Deixa-me...
... Deixa-me que te invada e habite
Que o teu alvo olhar me permita
Voltar a demonstrar o valor da tua alma...
Deixa-me ....
Deixa-me que te respire,
Que os meus passos deixem o rasto na senda da tua vida.
Deixa-me ...
Deixa-me jogar no vício do teu corpo ,
Encher-te de luz em troca do teu calor.
Que os teus olhos tenham uma única obsessão,
Uma única meta,
um único porto de abrigo...
Um único Eu...
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Avança, nada se passará

Avança de novo, volta a viver em Ti.
Os teus olhos gritam em silêncio o teu segredo
Que emerge na azul transparência da minha mente.
As minhas mãos sonham com a suavidade da tua pele...
Os meus pés sonham com o caminho que tu pisas,
Enquanto mergulhas na imensa linha
Que te leva à Terra do Nada
Coberta com um manto escuro, de negro.
Avança...
Avança e não te detenhas...
Que não te vença o amargo instante de um minuto
Que não haja um único pensamento
Que te possa encarcerar.
Avança...Avança...
Mesmo que rasguem o coração,
Nada se passará... Nada.
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Eu(s)

Desdobrei a minha Alma,
Qual peça de tecido, que no balcão se desenrola.
Dela saíram vários espíritos,
Várias “Personas”, de vestes nuas,
De Almas vestidas…
Cada qual com a sua Ânsia,
Cada qual com a vaga Esperança.
Todas em desatino,
Todas em sintonia,
Umas parecidos comigo…
E as outras?...com quem seria?
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Insónia

Penso, escrevo, dormito, desperto.
Por pouco me atrevo
No raciocínio incerto.
Levanto-me, deito-me, leio, releio.
Adormeço leve no Livro aberto à sorte.
A leitura fica a meio,
Sem pasmo ou devaneio.
Com teimosia o Livro parece chamar-me,
Nos impulsos desconexos
Dos antebraços dormentes.
Depois sossego, tomo benzodiazepinas,
Calmantes,
As pálpebras pesam… Breves instantes…
Tomo aos molhos
Tudo que dos Sonhos me leve…
Quero dormir…
Ou estar acordado?
Que a Noite passe por mim sem recado,
Sem Sonho, dormindo,
Com o Sonho acordado.
É no ténue limite, entre o sono e a vigília,
Que tomo consciência da Noite tranquila…
Agitada apenas pela Chuva cá dentro…
Do meu Pensamento
Que teima ir-se embora.
Registo, insisto
Nisto de escrever,
Para não pensar,
No que penso sem desejar.
Volto a escrever…
Depois, por um momento,
Saio do meu Ser...
Mergulho em mim sem querer.
Largo tudo no chão,
O livro, o caderno,
O Pensamento, a mão.
Ao fim e ao cabo,
Não passa de futilidade
Que pela manhã, desperto,
Leio com dificuldade

Aquilo que parece que Eu não escrevi!...
Mas deduzo que sim…
Só Eu estive ali!...
Ou então!…Seriam Outros…
Outros Eu(s)!?...
Outros Eles?...
Quem sabe?...
Quem somos, se não sabemos onde fomos,
Enquanto dormimos, sonhamos?
Quem sabe se estás aqui ao meu lado

Cada vez que penso em Ti?
Serás Tu que me manténs assim acordado!
Mas para quê?
Para que triste Fado eu escrevo?
Penso… Sou chamado?
Por vezes a Noite parece uma benção
Que um deus criou pró descanso!...
Outras parece, que algum diabo
As inventou para nós,
Dela sermos seu escravo.
Fosse o que fosse,
Não foi perda de tempo…

É quando o Silêncio reina
E a Escuridão é rainha,

Que a Alma, perdida,
Volta a ser minha,
Que a Paz que me envolve,
Sem Dôr nem ferida,
Me dá todo o seu Nada,
Onde encontro guarida!…
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Não sou

Não sou Poeta por escrever
Não sou Músico, só por tocar
Não sou Humano só por ser
Nem Filósofo, só por pensar…
Apenas junto o meu Ser
Ao papel em branco…
Apenas junto o meu Ser
Ao Silêncio a pairar.
O Poeta não é quem diz sê-lo
O Poeta não é quem quer sê-lo.

É no Ser do Poeta,
Na sua Obra aberta,
Que alguém há-de lê-lo

E reconhecê-lo.
Não basta escrever em verso.
Não basta o verso rimar.
É preciso da Alma,
O avesso, a calma,
Do Outro encontrar!...
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Inércia

Pareço-me fútil se nada faço,
Pareço-me outro se nada penso...
Mas pode o Nada pensar-se, sem nada pensar?
Pode o Nada sentir-se sem nada sentir?
Ébrio de existência inequívoca,
Sinto em mim o Nada do Tempo.
Parado no meu sentir,
Penso em mim o nada que faço,
Ao pensar no que havia fazer!
A arte espera, impassível serena,

Existindo no Todo de mim,
Com ânsias de aparecer,
No papel, no quadro, no CD, na disket,
Na ponta dos dedos, no gesto…

Ao ritmo da Música, que procura
E de imediato encontra, vibra,
Passando do gesto ao som,
Através do instrumento
Que agora repousa encostado à parede...
Mas não… a força de nada fazer,
Reforça o pensamento em tudo.
À força de tudo querer
O Nada emerge, mudo,
Qual pedaço de cortiça
Que insiste em flutuar,
Vencendo o leveza do Nada,

Sobre o peso de tudo
Quanto podia fazer…
Ou já devia ter feito...
Não no Tempo ou no Espaço...
Tão só no meu Pensamento!
E cá está o despertar do curto sono,
Pesado, à custa de tudo querer.
Despertando o Nada acordado em mim
Derrotado, por sobre ele escrever.
Do Nada, nasce a palavra
Lixívia para o Nada do Ser,

Exorcismo da Alma dormente
Que hà pouco não queria viver!..
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Brinco à Vida

Brinco à Vida,
Brinco aos Vivos.
Os Outros, esses,
Dão-me a impressão que lá vão vivendo,
Em brincadeiras, mais ou menos sérias!
Movo me com brisa suave
Qual parreira em leve ondulação,
Como que ensaiando na antecipação,
Preparando-me para ventos mais fortes,
Quiçá tempestades.
A sede de futuro,
A boca seca, de excesso de presente,
A escassez das memórias do passado,
Na comodidade dos neurónios,
Muda está a viola
Funcionários privados, (não públicos!)
Dos arquivos da memória,
Deixam - me angustiado,
Nesta brincadeira séria.
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Muda Está a Viola
Lá no canto da sala muda
Muda está a viola.
A viola muda não canta
E o pensamento não fala.
Ás vezes fala demais,
Outras cai no vazio
De quem da vida não tem pressa
De quem passa como um rio
Os projectos adiados,
As ideias que não passam disso,

O contratempo inesperado
De um inconstante sorriso.
Tu és tudo que eu preciso
Tu és tudo que eu quero
Tu tens tudo num sorriso
Tu és tudo que eu espero

Chega a noite e tu não vens,
Chega a lua e não apareces
Ela sozinha com os seus ais
Ele só, com as suas preces.
Todos os dias são o mesmo,
Só com as estrelas eu vivo,
Passo a noite com a lua,
Sem ti as estrelas não brilham!
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Longe de mim

Estou longe de mim,
Estou longe do mundo.
Estou longe de ti,
Estou longe de tudo.
Vejo os homens em Guerra,
Vejo a Paz, lá tão longe,
Vejo o Tempo à espera
Que o amanhã seja hoje.
Penso absorto, prisioneiro em mim
Liberto as Asas da Alma.
P´ra tão longe me levam,
P´ra tão perto de ti!...

E num voo sem Tempo
Serei livre eu, …assim?
Estarei mais perto, eu, …de ti?
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E Tu?

E tu?
O que encontraste para além de ti,
Para além do teu próprio horizonte,
Para lá do teu próprio querer,
Muito para além do teu ser?
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Tempo a Crédito


Não me sinto passar
Não me sinto viver,
Apenas sou eu
Comigo e meu Ser.
Criatura pasmada,
Se não conhecesse
O porquê, de esbanjar
No Fio da Navalha
 
Direitos reservados: Rui Manuel Magalhães António Carvalho
O Tempo que me pertence…
…Sei que tudo se paga,
Mais tarde ou mais cedo;
Não é essa a conta que me mete medo,
Talvez sim, o tempo que tenho de crédito,
Quando este acabar sem aviso prévio! …
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O que será que me faz andar assim no fio da navalha,
Dia após dia, hora após hora?
O que será que me leva ao limite de mim,
Sozinho sem «nada», sem tempo ou demora,
Num conto sem história, sem rumo ou vitória,
O que será que luta dentro de mim,
Que me mói a memória,
Em momentos sem fim?
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A cruzDe quem sempre alcança

Tudo passa, tudo passa,
Pouco fica, só lembrança,
Tudo parte, tudo vai,
Nada dura para sempre, não…
…Só fica mesmo a lembrança,
A parca recordação.
Não se pode ter a certeza da vitória,
Mas pode – se ter a certeza que tudo se fez,
Para alcançar essa glória!




Gostaria de um dia
Poder dizer que valeu a pena,
Que valeu o dano,
Tudo acontecer,
Sem esboço nem plano,
Sem mapa nem bússola,
Na busca de mim,
As ideias o alento,
Sem hora nem tempo,
Apanhado em teias,
Inspirado na esperança,
Mais do que espera
Sem nada querer
Da quimera do sonho
Realidade do ser
Como folhas de Outono
Entregues ao vento
Na deriva do sonho
Mas no sonho a viver
O desespero ou alento
No inevitável fluir,
No implacável devir,
Do ser e não ser,
De compreender e sentir
Qual será o dever
De não largarmos a cruz
A meio do caminho
Mesmo que sempre
A carregues sozinho?…
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A Folha Caída


A folha estava no chão
Apanhei-a …
Era de manhãzinha…
Ainda há pouco me levantara.
E vi aquela folha no chão,
(Às vezes há muitas folhas no chão)
Destas de papel branco de fotocópia,
Formato a4.
Podia tê-la deixado onde estava
Ou apanha-la e deita-la ao lixo.
Mas estava branca como a madrugada…
Era o começo do dia que ali estava!
- Apanhar uma folha do chão, vazia e branca!
Ah! Mas estava dobrada,
Perfeitamente dobrada.
Assim tinha uma área A5!
Não faz mal, aqui está ela
Escrita, agora, gatafunhada.
Cheia de mim.
Dos meus fúteis pensamentos,
Os da daquela madrugada.
Escrevi-a!
Escrevi no seu vazio…
…O meu vazio…
Tu podes escreve-la com poemas do teu coração…
Também é tua se quiseres;
Apesar de ter sido eu a apanha-la!
Podes enche-la de lindas frases…
Ou feias até,
Sem nexo,
O que bem achares.
Para mim é apenas uma folha
Que apanhei de madrugada.
Guarda-a se quiseres…dou-ta!
Será a tua folha.
A folha que eu te dei.
Depois guarda-a.
Talvez numa gaveta fechada,
- Nos bolsos não!!

Podia ir à máquina de lavar e ficava amachucada…
Talvez manchada,
Perdida, irremediavelmente rasgada.
Guarda-a se quiseres.
Depois, um dia encontra por acaso, abre-a…e lê-a.
Nesse dia voltarás a viver esta madrugada!
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Não tenho inveja,
Ser Quem Sou


A angustia de, por vezes, não conseguir ser quem sou…
Ou a inevitabilidade de ter de ser quem não sou.
Como era bom ser quem sou
E nunca, nunca ser necessário ser quem não sou.
Se ao menos, quando não sou quem sou,
Fosse um pouco do que sou…
Que bom que seria ser quem sou!
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Paz


Ciúme, dor ou rancor,
Daquilo que outros têm,
Ao que eu dou valor,
Pois aquilo que eu tenho,

Sempre terei e hei–de ter,
A fonte é inesgotável,
Vem da nascente do ser…
Não me refiro só
Ao espólio da alma,
Nem à necessária matéria
P’ra esta ser alma…
Tudo é relativo,
De quimera fugaz,
Nesta visão subtil,
O que para ti é guerra, …
Para mim pode ser paz!...
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Vôo


A alma soltou-se ,
O espírito ergueu-se....
De ti te afastas para te veres melhor.
Fora de ti vês o mundo de cima
Como uma Supernova ardente,

Qual mente incândescente ...
O Nada é tudo,
O Tudo é uno...
....Resistente, frágil , relativo!
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Até Logo, “Eu”!


Até o Sol regressa à minha janela,
Depois da claridade que a madrugada traz nela…
…Será que alguém pode fugir de si próprio,
Por mais caminhos que corra entre destinos incertos?
Nada é impossível,
Só fugir de mim, parece inverosímil…
… Quanto mais fujo,
Mais de mim me aproximo!

Bem, vou dormir.
Neste momento parece-me o melhor caminho,
O maior dos estímulos.
Quem sabe com quem me irei encontrar
Nesse mundo distante, no País dos Sonhos,
Onde irei eu parar?...
…Pronto. Já chega!... Até logo, “Eu”!
Agora tenho de ir…
…Para junto de mim!...
       
                                Rui Tó Magalhães

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